sexta-feira, 11 de abril de 2014

Contos do Amante da Morte [Semana 03]

Autora: Mari-Youko-Sama
Capítulo 02 – Folhas ao vento.

As trilhas que uniam os vilarejos daquela região serpenteavam a paisagem em linhas tortas de terra batida vermelha. Marcos guiava sua velha carroça que rangia sobre cada deformidade que a estrada mostrava, seu irmão do meio, Matheus, era um silencioso acompanhante sentado junto aos sacos carregados.

O vento de outono balançava as árvores e era o único som durante horas de viagem. Marcos lançava olhares discretos em direção ao irmão que aparentava estar em algum tipo de oração muda. Era sempre daquela forma, desde o falecimento da mãe deles, aquele “silêncio” se repetia quando ficavam a sós. Finalmente a carroça parou em uma bifurcação:

– Daqui você segue sozinho. Devo regressar em dois dias, fique de olho nos menores, certo?

– São apenas crianças... – comentou desinteressado.

– Algo errado? Você é normalmente calado, mas não distraído Matheus. O que lhe atormenta os pensamentos?

– Atormenta? Parece muito ciente do que estou pensando meu irmão… – finalmente encarava o maior. – Você ouviu a “boa nova”? – o escárnio evidente na voz.

– Acredito que as fofocas cheguem aos templos primeiro. – com certeza era uma balela dita por algum sacerdote, embora se fosse aquele boato, já tinha escutado. – O que seria então?

– É a prova do nosso abandono! – o rosto dele se contorceu em uma careta. – Eu sempre lhe disse que ele nunca se importou conosco e eis a comprovação desse fato. – sua expressão era um misto de raiva e desaprovação.

– Então é isso… – coçou o queixo – Até onde eu sabia era um “boato”. – se a conversa chegou nele, isso explicava a raiva do menor.

– Talvez não tenha entendido, mas vou esclarecer. – com voz levemente alterada. – nós fomos trocados, rejeitados como se fôssemos… ilegítimos. – a última palavra saiu com nojo.

– Você sabe que ele e nossa mãe nunca tiveram uma união em templo. – a voz era neutra. – Então, você que é estudioso… o que isso faz de nós?
As palavras não ousaram sair da boca de Matheus, ele estava tão ciente quanto Marcos e por isso não conseguia responder.

– Aos demônios, Marcos! Nós temos nossos direitos! – o comentário tentava convencer mais a si mesmo.

– Sabe por que você não se chama Matheus, O Noviço? – lançou um olhar afiado para o irmão. – “Blackwood” é a madeira da sombra, ou seja, a parte da árvore que fica no escuro. Nossa mãe dizia: “nós somos as raízes dele, é onde ele está seguro”. – lhe sorriu carinhosamente – O que ele tinha de fazer por nós, ele fez, somos livres, diferente desse nosso novo irmão.
O último trecho atingiu Matheus como um soco no rosto até finalmente alguma palavra sair de sua boca:

– Eu acho que entendo. Você sempre enxerga o melhor dos outros, meu irmão, espero que um dia isso não seja sua ruína. – despediu-se com um aceno breve e seguiu seu caminho.
Marcos acompanhou com o olhar até o irmão desaparecer de sua visão, para logo após partir com sua velha carroça.

“Máscaras: todo indivíduo usa, escondendo seus desejos e seu verdadeiro ser. Por quanto tempo elas podem ser mantidas?”


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