sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Contos do Amante da Morte [Semana 25]

Autora: Mari-Youko-Sama
Capítulo 21: Tudo ou Nada.

E tudo convergia naquele minúsculo espaço de tempo entre o sussurro da outra e os lábios de Marcos se moverem. Como se um abismo gigante tivesse sido aberto naquele instante, o jovem Blackwood precisou reunir toda a força de vontade que o tinha arrastado até ali para responder:

– Não.

– “Não”? – agora a loira estreitava o olhar na direção do moreno. – Está certo disso?

– Eu não tenho a honra de um nobre, mesmo herdando o sangue, é preciso mais que isso para tê-la, porém… – apertou o corpo do irmão junto ao peito – eu ainda sou um homem que cumpre com a palavra e se você quer o que diz, vai ter de dar a sua também.

– Com “minha palavra” você quer uma garantia? E por que acha que eu cumpriria com esta “palavra”? – comentou em tom mais cauteloso, mas ainda mantendo um sorriso zombeteiro no rosto.

– Posso estar ficando louco, mas acredito que isso que deseja você não pode tirar, pelo menos não a força… – teve uma confirmação quando notou o olhar da outra se estreitar ainda mais, pelo menos acreditava que tinha sido uma confirmação – e eu não vou fazer nada do que pedir se meu irmão morrer.

– Arriscaria a vida dele em um blefe? – levou a mão ao queixo em um olhar frio e apático a tentativa de negociação do jovem Blackwood.

– É o que eu tenho e ele não tem tanto tempo, se “você” não se decidir, nós dois perdemos! – queria ter posto mais força em sua voz, mas estava apavorado, no fundo de sua mente, imaginava que talvez ela esperasse por essa afronta, mas tudo estava se perdendo, e se fosse para fazer uma última aposta, tinha de ser naquele momento.

Então a loira se levantou e pousou os dedos finos em um broche feito de ouro branco em forma de videira, desatando a manta que lhe cobria o corpo, revelando um vestido de seda fino, com adornos dourados de videiras no busto e na barra do vestido. Com a ponta do dedo, pressionou sobre o pulso até o dedo afundar na pele pálida fazendo minar um veio de sangue de um vermelho escuro, e fez caminho até o cotovelo abrindo um corte profundo que jorrava filetes de sangue sobre o corpo de Matheus:

– Eu dou-lhe a mim mesma como garantia, e os dias que seu irmão estaria fadado a viver agora serão mais longos, no entanto… – os olhos dourados fixaram no rosto de Marcos – Para cada gota do meu sangue dada ao seu irmão, tu me servirás por 100 dias, durante os dias e a noites durante o tempo e o pós-tempo.

O corpo de Matheus se debateu e depois cessou, deixando uma estranha sensação de vida no corpo desacordado. Marcos levou a mão ao rosto de seu irmão e tomou seu tempo para observá-lo, a temperatura tinha voltado a corpo do rapaz, e embora não entendesse o que era aquela mulher, sabia que ela tinha cumprido com sua parte. O ambiente estava silencioso, e até a borboleta dourada tinha parado de se debater, uma luz opaca se mantinha saindo da lamparina, até finalmente entregar o cômodo à penumbra. Restava agora ele cumprir. Apoiou o corpo de Matheus com cuidado e em seguida ergueu-se frente à loira, a encarou e abriu os braços em um gesto de rendição:

– Toma para ti, o que agora é seu, eu permito. – não sabia como medir o peso daquelas palavras, mas sentia a importância delas ao serem proferidas. No entanto, diferente do que imaginava, não sentia remorso, pensava ter feito a coisa certa, queria acreditar nisso, ao menos.

A figura da loira sibilou um sorriso estreito e cheio de veneno, com um gesto delicado, cobriu-lhe os olhos e tocou-lhe o peito, foi a última sensação viva que tivera…


Epílogo:  Além do fim 


– Não preciso entrar em detalhes sobre as sensações da morte, não é?

– Não há necessidade. O processo pelo qual passaste não é o convencional, por isso, tuas sensações estavam distorcidas e julgo dizer que sua dona tinha preferência pelo pior processo.

– Correção: “antiga dona”. Não sou propriedade de ninguém além das minhas próprias ambições.

– Uriel, sabias que eras teu fim e mesmo assim deste tua vida. Realmente não sabias o que teu consanguíneo tramava?

– Correção: “Lorde Uriel”.

– Tuas alcunhas e títulos não têm valor aqui, apenas responda.

– Marcos sempre teve fé em sua família e para Matheus não foi diferente, embora infeliz nas promessas que fazia e a senhora sabe bem o porquê.

– Os pesos que julgam ser capazes de carregar nada têm haver com meu trabalho.  Se tu, na época, escolheste fazer tais promessas, apenas a tu restava o peso de arrastá-las. Mas com seu consanguíneo foi diferente, ele burlou as regras naquela noite.

– Sim, hoje em dia enxergo a artimanha pouco criativa de Matheus em negociar para ter longevidade usando meu sangue de barganha, afinal nem todo mortal pode se encontrar com seres feéricos, mas como não podia negociar a vida de outra pessoa, armou aquele circo para me convencer. Marcos de fato não tinha arrependimentos, fez tudo por amor a sua família e para honrar suas promessas, quase tão medíocre quanto qualquer livreto ou canção tocada por bardos.

– Para quem burla meu trabalho, resta apenas as mazelas da longevidade, assim como as tuas.

– Não há restrições para mim, apenas as que a senhora desejar inventar em sua criatividade mórbida.

– Nunca meça a Mim por você mesmo.  E para tua ultima restrição: descubra onde teu antigo consanguíneo retornará para finalmente receber a punição pela afronta.

– Por isso eu disse que não há mais restrições, eu sou um ser livre porque antes mesmo da pergunta eu já tinha a resposta.

– …

– Existe apenas um objetivo para Matheus: Ser o Regente, e ele retornará no meio do mercado negro, mas perto da magia.

– …

– Entendeu?! Agora desate os nós, minha amada senhora, pois a partir de hoje Lorde Uriel está além da própria Morte.


Fim… por agora.

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