sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Filho das Profundezas [Semana 23]

Autor: Marco Fischer
Parte XXIII - Chuul

Quanto mais tentava se afastar de Ula-Yhloa, mais o Maleko sentia a ilha arrastá-lo de volta. Seu corpo estava pesado, e estava ficando quase impossível se orientar na água turva e arroxeada, com reflexos de um verde brilhante cintilando de forma fantasmagórica acima. Os corais brancos se estendiam como uma floresta sem vida, e ele tinha a impressão de avistar grandes torres de pedra escura na distância.

Ao chegar mais perto, ele tinha a certeza de enxergar enormes pilares, entalhados com formas monstruosas parecidas com os híbridos-peixe que haviam atacado o navio. Um choque percorreu seu corpo e ele teve vontade de nadar o mais rápido possível para longe daquelas estruturas, mas seu corpo havia parado de obedecê-lo e se deixava afundar no estupor daquelas águas.

Uma escuridão esverdeada o envolveu e trouxe com ela uma presença esmagadora, que tornava a água mais densa apenas de estar ali. Não era como o Arauto de Kanaloa no fundo do abismo de areia. Era algo ainda maior, um ser de tamanho impensável que o rodeava de todas as direções. Uma confusão de bioluminescências, tentáculos colossais e formas grotescas de peixes abissais.

Ainda assim, o Maleko tentou se defender como daquela vez, os olhos se tingindo de negro e o redemoinho de pensamentos subconscientes se formando ao seu redor. Mas a entidade simplesmente ignorou o turbilhão psíquico, como se ele estivesse girando na palma de uma mão invisível. Sentindo sua mente mergulhar nas trevas infindáveis do que havia tentado tocar, o garoto-peixe entendeu o motivo de seus poderes não terem surtido efeito.

Aquilo não era algo distinto dele. Aquilo era algo como ele, e ele era apenas uma pequena parte daquilo.

Violka saltou para o lado a tempo de evitar a garra deformada que tentou apanhá-la. Com a lanterna habilmente colocada sobre o chão e a rapieira em riste, ela se colocou em postura de desafio diante da criatura que terminava de erguer seu corpo através do poço no centro do salão.

Era um ser repugnante, que de longe lembrava os entalhes das sentinelas nas paredes. Uma carapaça amarelada e áspera o cobria, e quatro longas patas o sustentavam além das outras duas que terminavam em tenazes exageradas. A cabeça exibia apenas um par de olhos minúsculos, e uma franja de tentáculos se contorcia onde deveria estar a boca.

Quando o monstro crustáceo terminou de emergir sacudindo sua cauda de lagosta, outra figura surgiu sobre suas costas. Era a mulher oriental mais uma vez, apoiada sobre a criatura com seu vestido gelatinoso como uma anêmona sobre um caranguejo-ermitão, e portando uma elegante sombrinha violeta. Violka deu um sorriso torto e logo falou provocativa:

-Trouxe um amiguinho pra brincar? Estava começando a estranhar sua demora.

-Já chega de sua insolência, pirata! – sibilou a outra com um olhar severo. – Nós teremos o garoto de volta e você e sua tripulação serão reduzidos a nada!

-Eu já falei que vocês não mandam no destino dele! – retrucou a capitã, estreitando o olhar – E muito menos no nosso.


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