sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Filho das Profundezas [Semana 20]

Autor: Marco Fischer
Parte XX - Espiral

Um numeroso cardume de tubarões circundava o alto da fenda submarina, como em uma lenta ciranda ritual. Parado no meio do círculo, o Kahuna estava sentado com as pernas cruzadas sobre o dorso do tubarão-baleia sagrado, aguardando pacientemente enquanto respirava na água com a ajuda de um de seus feitiços. Demorou algum tempo até que a volumosa figura do Arauto de Kanaloa surgisse na beira do abismo, agitando seus tentáculos entre as cascatas de areia branca.

O séquito do imenso polvo o acompanhava, brilhando nas profundezas como fogo-fátuo. Trazia consigo suas lanças, mas não havia sinal de ameaça por nenhum dos lados. Se aproximando devagar no dorso do grande peixe, o Kahuna falou diretamente na mente do Arauto, com o olhar firme e sereno de um homem sábio.

-Tentou abocanhar mais do que podia dessa vez, Guardião das Fontes Ocultas.

“Eu tinha um acordo com a criança.” - respondeu o polvo com sua voz ressoando na água - “Mas como uma enguia traiçoeira ele me atacou. A mente dele é como um turbilhão infindável, algo com que nem mesmo eu já havia me deparado antes.”

-Se ele tivesse controle sobre seus poderes, teria subjugado a todos nós – concordou o velho sábio fechando os olhos – Eu senti a mente dele apenas por um instante, mas por pouco não foi o suficiente para que eu também fosse sugado através dela.

“E ainda assim você permitiu que ele fosse levado por aquela mulher”.

-Eu sabia que o Império estava ciente da existência do Maleko, e logo viria atrás dele, como de fato aconteceu. Foi melhor deixa-lo com alguém de confiança do meu povo do que entrega-lo para aqueles que o transformariam em mais uma arma para nos ameaçar.

“Ele não precisa de algo tão pequeno como o Império para ser uma ameaça. Há coisas que você desconhece, Sacerdote das Ondas. A fonte do poder dele é algo tão antigo quanto os nossos próprios deuses. E ao retornar para ela, o Maleko irá reerguer horrores que nem os primeiros de seu povo sonhavam existir”

Muito longe dali, Violka descia por grandes degraus de pedra nas entranhas de Ula-Yhloa. Sua lamparina a óleo iluminava uma série de salões abaixo que pareciam dispostos como o interior de uma concha. No centro da espiral estava um salão circular, com um poço profundo em seu centro. Inúmeras figuras de criaturas marinhas em alto relevo preenchiam as paredes ao redor da capitã enquanto ela descia, as maiores delas retratando lagostas antropomórficas de pé como sentinelas.

Atravessando os salões da espiral um a um, a capitã notava que cada um deles tinha uma pequena alcova com um santuário, onde podia ver estrelas do mar secas com muitas pernas e outras curiosas oferendas retiradas do oceano. O padrão permanecia até o salão central, onde Violka teve que prender a respiração ao revelar com sua luz uma enorme estátua de cristal azul na forma de um homem com cauda de peixe, trazendo em suas mãos um cetro do reino perdido de Lemuria.


Ir para o próximo capítulo de "Filho das Profundezas"

Nenhum comentário:

Postar um comentário