sexta-feira, 23 de maio de 2014

“SentiMente” [Semana 09]

Autora: Silvia Verlene

Curioso...
Assim fico ao ouvir aquela voz opulenta, nada infantil, mas proveniente de um ser de tal natureza, ao menos aparente. Em sua forma, é uma criança saudável, de pele escurecida como de uma madeira antiga, porém sem nervuras. O rosto um tanto oval, com linhas suaves, porém destacadas pelas luzes variantes que o percorrem em nítido ritmo frequente. Os olhos são inacreditavelmente esbranquiçados, cujo brilho chega a refletir meu reflexo; parece mais um espelho, no que chego até a lembrar de um antigo ditado humano: “Os olhos são o espelho da alma.” No caso deste garoto, isto se aplica de forma espantosamente literal, apesar de inversa, já que não é ele quem se mostra, mas quem ele enxerga.

Permaneço imóvel ao passo que meu jovem anfitrião aproxima-se, avaliando-me com seu olhar vítreo e suas luzes inseparáveis. Tento me mexer, ainda em vão, o que me traz uma sensação de desconforto e, ao mesmo tempo, de intensa curiosidade. Engraçado eu não sentir medo deste menino e até me sentir incitado em deixar-me avaliar para saber como ele reagirá sobre mim. Paro de tentar me mover, procurando manter um conforto dentro de tal paralisia, enquanto a criança acerca-se de meu corpo inerte.

Sem gestos ou mesmo pressa, o garoto iluminado percorre os arredores de meu corpo, sem tocá-lo, apenas olhando-o de forma aparentemente indiferente, sem nem mesmo emanar qualquer som ou ruído em sua observação. A coisa estranha que sinto é apenas um calor mais intenso nas partes por onde ele passa, entretanto não consigo definir se isto vem exatamente dele ou das luzes que o acompanham, agora em um ritmo mais frenético e mutável, transfigurando-se em cores oscilantes cada vez mais rapidamente.

Ao término de sua primeira volta completa, novamente ele me encara como se me desafiando – eu sinto isto muito certo, só não entendo o porquê, mas sei que vem dele -, no que tento me movimentar novamente, mas ainda sem resultado. O garoto sorri de lado, um sorriso satisfeito, começando uma nova volta:

“Percebo que não consegue reagir à leitura realizada pelas Luzes Âmagas, o que é uma pena, pois imaginei que o Matriz Zero demonstraria mais desafios para mim...”

“Quem ele pensa ser falando assim comigo? Outro Escolar achando-se no direito de me tratar como cobaia...” – meu pensamento não consegue se transformar em verbalização, porém o menino gargalha inusitadamente, agora com uma tonalidade verdadeiramente infantil, em seguida falando sem a voz pomposa de antes:

“Escolar? Você me compara a meros curiosos cheios de orgulho e seguidores cegos de uma crença surreal? Agora eu achei graça!”

“Ele leu meu pensamento? Como assim?...”

“Pare de questionar o desconhecido de forma tão crua, Zero, você sim está se parecendo com um Escolar fazendo isto. Quer respostas? Pois bem, você as terá agora...” – E ele se aproxima ainda me encarando, tocando minha cabeça e inserindo as próprias luzes em minha Entrada Implantar...


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