sexta-feira, 4 de abril de 2014

Filho das Profundezas [Semana 02]

Autor: Marco Fischer
Parte 2 - Estrelas

A trilha serpenteava entre palmeiras e arbustos floridos até chegar a um grande lago circular que preenchia todo o centro da ilha, cercado pela vegetação. Era como um pequeno mar calmo de profunda cor azul, circundado por uma estreita praia de areia branca. Estrelas do mar e conchas estavam espalhadas pelas margens rasas, e águas-vivas coloridas podiam ser vistas flutuando tranquilas mais para o centro.

-O hóspede de vocês tem bom gosto. – brincou Violka. – É um esconderijo bonito, mas como todo esconderijo é uma prisão.

Ela estava à frente do grupo de nativos, junto ao chefe e ao velho Kahuna. O sábio de idade avançada olhava para o lago com inquietação, esperando que a qualquer momento o visitante do mar surgisse do fundo. Foi com surpresa que notou a capitã avançar, levando em sua mão um dos cestos com peixes e lulas que seu povo vinha trazendo para alimentar o inquilino da ilha.

-O que está fazendo, capitã Violka? – ele perguntou receoso.

-Vou só conversar com ele e quem sabe dar uma volta – a capitã respondeu com um sorriso, começando a retirar as botas.

-O Maleko não pertence ao nosso mundo. E não conhece nenhuma língua falada na superfície. – alertou o Kahuna como se estivesse dando um último aviso.

-Isso não será problema. Eu já me libertei de muitos grilhões da fala, senhor encantador de marés. Inclusive aqueles que nos prendem além de nosso mundo.

Colocando as botas na margem, Violka levantou a barra de suas calças de calico e avançou na direção da pequena sombra que agora surgia no centro do lago.

O visitante do mar apareceu antes que a capitã precisasse chegar ao fundo. Tinha as feições de um jovem rapaz, com a pele lisa e pálida. Os cabelos eram finos e de um cinza desbotado, não chegando a cobrir as pequenas orelhas angulares. Mas foram os olhos dele que atraíram a atenção de Violka e fizeram com que ela prendesse a respiração, tendo a vertigem de estar diante de algo novo e desconhecido.

Era como se alguém tivesse removido um pedaço da noite e com ele coberto os olhos do garoto à sua frente. Eram da cor de piche e não possuíam íris ou pupila, mas não eram inteiramente negros, pois uma miríade de pequenos pontos luminosos se espalhava por sua superfície. Estrelas douradas e brancas que se moviam lentamente por aquelas orbes vítreas e úmidas de ébano.

Com curiosidade, o ser aquático se aproximou da capitã e nadou graciosamente em torno dela, examinando. Parecia ligeiramente confuso com o lenço amarrado na cintura da mulher, que flutuava esvoaçante na água. Quando falou, sua voz emitiu a melodiosa língua dos elementais da água, fazendo Violka sorrir enquanto compreendia cada palavra.

-Porque você está toda coberta? – ele perguntou com uma careta inquisitiva.

-Você se acostumou mal com as dançarinas de hula, seu danadinho! – a capitã retrucou, não conseguindo deixar de rir. – Não vou te colocar um colar de flores, mas a proposta que vim lhe fazer é ainda melhor.


Ir para o próximo capítulo de "Filho das Profundezas"

2 comentários:

  1. ~Era como se alguém tivesse removido um pedaço da noite e com ele coberto os olhos do garoto...(Estrelas douradas e brancas que se moviam lentamente por aquelas orbes vítreas e úmidas de ébano.)~ Imagem mais linda do mundo.

    ResponderExcluir